Os clubes-empresas e a nova dinâmica do mercado do futebol
- INCT Futebol
- 1 de out.
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George Lucas Ferreira Martins (UFPE)
No texto abaixo, o autor reflete sobre o novo cenário criado pela introdução das SAFs e de outras formas acionadas para orientar os clubes para lógicas empresariais no Brasil.

O futebol brasileiro começa a se adaptar à sua nova realidade. Os presidentes de clubes, antes à frente de associações civis sem fins lucrativos, agora cedem espaço para CEOs e acionistas de clubes-empresas, que se estruturam para lucrar com um esporte cada vez mais tratado como negócio. De acordo com o IBESAF (Instituto Brasileiro de Estudos e Desenvolvimento da Sociedade Anônima do Futebol), já existem 117 clubes organizados como empresas, divididos entre sociedades limitadas, agremiações fundadas diretamente por empresários e sociedades anônimas do futebol que migraram do modelo associativo para o empresarial. Entre esses clubes-empresas, estão gigantes que, após se afundarem em dívidas, voltaram a competir em alto nível, como o Botafogo, atual campeão brasileiro e da Libertadores, e o Cruzeiro, que amargou três temporadas na Série B entre 2020 e 2022.
Se o projeto das SAFs já pode ser considerado como de sucesso ou não, só o tempo poderá mostrar. O que se prova é que, desde a Lei da SAF (Brasil, 2021), existe uma nova modalidade no mercado do futebol, especialmente nas divisões abaixo da Série A. Agora, é comum observar uma ascensão esportiva de clubes sem torcida perante a outros já tradicionais de massa, que se perderam diante de grandes passivos financeiros.
Ao observar as Séries B e C, por exemplo, percebe-se uma nova dinâmica: jogadores com maior nível técnico e valor de mercado têm optado por defender clubes-empresas ao invés dos tradicionais e populares, atraídos por investimentos que igualam ou até superam os dos times convencionais. Embora essas equipes empresariais ainda não contem com grandes torcidas, isso pode até ser visto como um ponto positivo, já que a pressão por resultados tende a ser menor, favorecendo o amadurecimento desses projetos esportivos.
Na Série B, os clubes-empresas Cuiabá (LTDA) e Grêmio Novorizontino (SAF) possuem elencos com valor de mercado superior ao de equipes tradicionais e de grande torcida, como Paysandu, Vila Nova, Avaí e CRB. Segundo o portal Transfermarkt (2025), referência na mensuração do valuation de atletas, os elencos de Cuiabá e Novorizontino estão avaliados em € 439 mil e € 419 mil, respectivamente. Além do aspecto financeiro, o desempenho esportivo recente dessas equipes também chama a atenção. O Cuiabá disputou quatro edições consecutivas da Série A entre 2021 e 2024, enquanto o Novorizontino foi o 5º colocado na Série B de 2024, ficando muito próximo do acesso à elite do futebol brasileiro.
Uma divisão abaixo, na Série C, os empreendimentos da Tombense (LTDA), São Bernardo FC (LTDA), Londrina (SAF), Botafogo-PB (SAF) e Maringá (SAF) estão no top 10 elencos mais valiosos da competição, ainda segundo o Transfermarkt (2025). Essa dinâmica aponta que esses times, de menos torcida e tradição no cenário nacional, conseguem, também na terceira divisão, apresentar performances competitivas frente equipes que estão em declínio esportivo e financeiro, como os casos de Náutico (Leal, 2025), Ponte Preta (Alves, 2024), Guarani (Futebol Interior, 2024) e Figueirense (Atanazio, 2024).
Logo, essa nova configuração de equipes que funcionam à base de investimentos estabelece uma nova tendência. Esses clubes-empresas não são diretamente dependentes de cota de televisão e receitas de bilheterias, sócio-torcedor e comercial, como a maioria (Zirpoli, 2018), embora essas receitas ajudem a equalizar a operação de seus donos. Outra constatação é que a ordem de seus investimentos deve variar de acordo com os seus resultados esportivos e financeiros.
Por fim, é notável que os clubes-empresas irão disputar cada vez mais com as agremiações tradicionais a composição de seus elencos com atletas de maior nível técnico e financeiro, a depender do contexto da divisão ou campeonato que disputam, reconfigurando assim um novo ciclo no mercado de transferências de atletas brasileiro.
Referências
ALVES, Diego. Presidente diz que Ponte deve R$ 400 milhões e vê clube como o “Corinthians do interior”. GE, Campinas, 16 de dez. 2024. Disponível em: https://ge.globo.com/sp/campinas-e-regiao/futebol/times/ponte-preta/noticia/2024/12/16/presidente-cita-r-400-milhoes-em-dividas-e-ve-ponte-como-o-corinthians-do-interior.ghtml. Acesso em: 6 de ago. 2025.
ATANAZIO, Bruno. Da Elephant à recuperação judicial: a linha do tempo até o “Dia D” para o Figueirense. GE, Florianópolis, 11 de nov. 2024. Disponível em: https://ge.globo.com/sc/futebol/times/figueirense/noticia/2024/09/11/da-elephant-a-recuperacao-judicial-a-linha-do-tempo-ate-o-dia-d-para-o-figueirense.ghtml. Acesso em: 6 de ago. 2025.
BRASIL. Lei Nº 14.193, de 6 de agosto de 2021. Estabelece normativas próprias aplicáveis a clubes de futebol, com o objetivo de resgatar tais instituições da situação de crise que atravessam, oportunizando o ingresso de novos investimentos com maior segurança jurídica. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2021.
FUTEBOL INTERIOR. Relatório aponta desorganização e erros nas finanças do Guarani. Futebol Interior, 2024. Disponível em: https://www.futebolinterior.com.br/relatorio-aponta-desorganizacao-e-erros-nas-financas-do-guarani/. Acesso em: 6 de ago. 2025.
LEAL, Daniel. Náutico apresenta balanço com déficit financeiro pelo 14º ano; passivo chega a R$ 256,7 milhões. GE, Recife, 1 de mai. 2025. Disponível em: https://ge.globo.com/pe/futebol/times/nautico/noticia/2025/05/01/nautico-apresenta-balanco-com-deficit-financeiro-pelo-14o-ano-passivo-chega-a-r-256-milhoes.ghtml. Acesso em: 6 de ago. 2025.
TRANSFERMARKT. Trasnfermarkt, 2025. Página inicial. Disponível em: https://www.transfermarkt.com.br/campeonato-brasileiro-serie-b/startseite/wettbewerb/BRA2. Acesso em: 6 de ago, 2025.
ZIRPOLI, Cassio. O peso das cotas de TV nos 20 clubes brasileiros de maior receita em 2017. Cassio Zirpoli, Recife, 4 de mai. 2018. Disponível em: https://cassiozirpoli.com.br/a-participacao-das-cotas-de-tv-em-2017-nas-receitas-de-20-clubes-brasileiros/. Acesso em: 6 de ago. de 2025.
Sobre o autor:
George Lucas Ferreira Martins é graduando em Jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e bolsista de iniciação científica do INCT Futebol.
As perspectivas presentes nos artigos veiculados no blog Bate-Pronto não necessariamente refletem as posições institucionais do INCT Futebol.
As relações entre futebol e economia são diversas. Se você se interessa por elas, irá gostar também do nosso texto: Campeonato Brasileiro pode fomentar o turismo e a economia Como citar: MARTINS, George Lucas Ferreira. Os clubes-empresas e a nova dinâmica do mercado do futebol. Bate-Pronto, INCTFUTEBOL, Florianópolis, v. 2, n.34, 2025. Os clubes-empresas e a nova dinâmica do mercado do futebol © 2025 by George Lucas Ferreira Martins is licensed under Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International




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