A importância da família na formação de jovens atletas
- INCT Futebol
- 18 de set.
- 4 min de leitura
Rafaela Marques Rodrigues dos Santos (UFBA)
No texto a seguir, a autora discute o papel que a família das crianças em fase de formação esportiva tem no cuidado de seus direitos e experiências com o futebol.

A família exerce um papel central na formação de jovens atletas. É, em muitos casos, no seio familiar que os primeiros sonhos ganham forma, no qual os valores de respeito, dedicação e responsabilidade começam a ser construídos. O incentivo vindo de pais e responsáveis é muitas vezes o primeiro motor que movimenta a criança em direção ao esporte. Porém, esse mesmo ambiente familiar que pode impulsionar também pode oprimir, quando não compreende a especificidade da infância e os reais sentidos do processo formativo no futebol. Formar um atleta não é apenas desenvolver técnica e tática, é, sobretudo, formar um sujeito, uma pessoa em sua integralidade. E essa formação exige tempo, cuidado, escuta, empatia e, principalmente, sensibilidade para lidar com as emoções, os erros e as descobertas que fazem parte da trajetória de qualquer criança.
Recentemente, a Federação Paulista de Futebol (FPF) anunciou uma medida que, apesar de impactante, revela o esgotamento diante de atitudes recorrentes e violentas nas arquibancadas: os jogos das categorias sub-11 e sub-12 do Campeonato Paulista, por duas rodadas, acontecerão com portões fechados, ou seja, sem a presença do público. A decisão foi tomada diante do comportamento inaceitável de muitos adultos, em especial, pais e responsáveis, que, ao invés de oferecerem apoio emocional às crianças, passaram a protagonizar cenas de descontrole, agressividade e ofensas verbais durante as partidas. A medida é dura, mas sintomática. O futebol de base tem sido contaminado por uma lógica que distorce o papel dos adultos e compromete a experiência esportiva dos pequenos atletas.
Em muitas arquibancadas do país, tornou-se comum ouvir xingamentos como “burro!”, “animal!”, “faz alguma coisa!”, direcionados a crianças que ainda estão em fase de aprendizado, experimentação e descoberta. Tais insultos, quando partem justamente daqueles que deveriam representar acolhimento e segurança, geram impactos profundos. A pressão exagerada, o medo de errar, o bloqueio emocional e a perda do prazer pelo jogo são apenas alguns dos efeitos desse comportamento. Quando a expectativa dos adultos se sobrepõe ao tempo da criança, rompe-se o espaço do brincar, que é – ou deveria ser – essencial ao esporte nessa fase. A formação de um jovem atleta deve estar atravessada pelo lúdico, pela liberdade de improvisar, pela diversão, que permite aprender com leveza. Sem isso, o futebol se transforma em mais um ambiente de exigência e frustração.
É preciso lembrar que o futebol de base não é apenas um espaço de rendimento ou vitrine para o futuro profissional. Ele é, sobretudo, um território educativo, no qual valores como solidariedade, disciplina, coletividade e respeito são tão ou mais importantes do que o resultado do jogo. É ali que as crianças aprendem a lidar com vitórias e derrotas, com conflitos e cooperação, com limites e potencialidades. Esse processo só se sustenta se houver uma rede de apoio que compreenda o que está em jogo. Pais e responsáveis precisam se reconhecer como parte ativa desse projeto educativo, não como técnicos paralelos, nem como torcedores exaltados, mas como adultos comprometidos com a saúde física e emocional de seus filhos e filhas.
Suspender o público das arquibancadas não é uma solução definitiva, mas um chamado à reflexão. É necessário que clubes, federações e projetos de base invistam na formação contínua das famílias, promovendo encontros, rodas de conversa e pactos de convivência que envolvam todos os sujeitos desse processo. Educar para o esporte também significa educar os adultos para que saibam ocupar seu lugar com responsabilidade. A presença da família deve ser incentivo, apoio, colo. Não peso, pressão ou ameaça. Criança não é produto, não é projeto de carreira, não é extensão de frustrações adultas. Criança precisa de tempo para ser criança, mesmo que esteja com a bola nos pés.
Formar atletas é, antes de tudo, formar pessoas. E isso não se faz com gritos, xingamentos ou imposições. Isso se faz com cuidado, com afeto e com respeito aos processos de crescimento. Que o futebol da infância volte a ser um território de sonho e não de medo, de construção e não de cobrança, de alegria e não de vergonha. Que os estádios, quadras e campos sejam espaços de escuta, de vínculo e de pertencimento. Porque o verdadeiro gol da formação é aquele que permite à criança continuar amando o jogo e a si mesma, enquanto aprende a jogar.
Sobre a autora
Rafaela Marques Rodrigues dos Santos é licenciada em Pedagogia e atualmente cursa o mestrado em Educação na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atua como pesquisadora no Grupo de Estudos Cotidiano, Resgate, Pesquisa e Orientação (FACED/UFBA) e colabora com a Linha de Pesquisa “Clubes, Formação, Carreira e Migração de Futebolistas”, do INCT Futebol.
As perspectivas presentes nos artigos veiculados no blog Bate-Pronto não necessariamente refletem as posições institucionais do INCT Futebol.
Se você se interessa pelo tema da infância e da formação esportiva nas discussões sobre futebol, poderá gostar também do nosso texto A crônica esportiva na formação de leitores-escritores.
Como citar:
SANTOS, Rafaela Marques Rodrigues dos. A importância da família na formação de jovens atletas. Bate-pronto, INCTFUTEBOL, Florianópolis, v. 2, n.32, 2025. A importância da família na formação de jovens atletas © 2025 by Rafaela Marques Rodrigues dos Santos is licensed under Creative Commons Attribution-NoDerivatives 4.0 International




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