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Travelogue 3: Sérvia, Coreia do Sul e Bahia

Carmen Rial (UFSC/INCT Futebol)

 

Continuando sua seção de travelogues[1] no Bate-Pronto, Carmen Rial relata impressões sobre o futebol que teve em passagens por Belgrado, Novi Sad, Seul e Salvador.


Em Seul, poucas pessoas vestiam camisetas de futebol. Imagem: Carmen Rial
Em Seul, poucas pessoas vestiam camisetas de futebol. Imagem: Carmen Rial

Sérvia, Belgrado, junho DE 2025

 

Caminho ao encontro de uma colega antropóloga pela rua central de Belgrado, só aberta aos pedestres, com seus bares e restaurantes nas calçadas e seus chafarizes de bruma refrescando os clientes – como em qualquer grande cidade europeia que já enfrenta calores inéditos. Paris, by the way, prevê 50 graus Celsius em 2030 e se prepara para enfrentar isso.

 

É domingo à tarde, imagino que veria algum jogo pelo Mundial de Clubes da FIFA sendo mostrado nas telas das televisões que estão em quase todos os bares, afinal, o Paris Saint-Germain enfrenta a Inter Miami CF, e o Flamengo joga contra o Bayern München. Mas o que as TVs mostram é um jogo de basquete. Os sérvios dividem suas preferências esportivas por uma gama de esportes em que são muito bons – o voleibol, o tênis (Novak Djokovic, claro, mas também Ana Ivanović e Jelena Janković, que também foram número um) e o handebol.

 

O basquete é um deles. Foram campeões da EuroBasket mais de uma vez, campeões mundiais em 2023 no basquete masculino e têm medalhas olímpicas (ouro como Iugoslávia, prata e bronze como Sérvia). Encontramos sérvios entre os atletas da NBA, e Nikola Jokic foi MVP atuando pelo Denver Nuggets.

 

A divisão de popularidade entre esportes fica clara também na escolha da imagem de publicidade de uma bet: futebol e basquete têm o mesmo espaço ali. Ou seja, o futebol é apenas mais um entre os esportes. E quem pensa que o Mundial de Clubes da FIFA teve repercussão mundial talvez tenha que analisar melhor como foi a audiência em países que não estavam representados por seus clubes nele, como foi o caso da Sérvia.

 

SÉRVIA, NOVI SAD, JUNHO DE 2025

 

Kakás Noir

 

Um dos modos de se medir a importância do futebol em uma sociedade é a sua visibilidade no espaço urbano, seja por meio de publicidades com futebolistas, grafites ou telas com jogos. Pode não ser exato, mas dá uma ideia aproximada. Por isso, minha atenção a isso em Belgrado e também em Novi Sad, a segunda maior cidade da Sérvia.

 

Apenas um dos quiosques de jornais e revistas com os quais cruzei no centro da cidade vendia camisetas de futebol. E nenhum nome brasileiro aparecia nelas. Lembro de décadas atrás, quando, não importava onde estivesse no mundo, eu encontrava camisetas de Ronaldo, Kaká e de outros da seleção – e, ainda mais, as de Ronaldinho Gaúcho, sem dúvida a mais popular nos dois ou três anos em que esteve no Barcelona. Outros tempos. O que não se alterou é a disseminação dos futebolistas (especialmente os homens) pelo mundo, que tem crescido com o passar dos anos, superando os mil anualmente. Também a exportação de futebolistas mulheres mostra um fluxo em ascensão.

 

Em Novi Sad, joga Lucas Barros da Cunha (FK Vojvodina Novi Sad) e já jogou Leandro Climaco Pinto (no extinto Proleter Novi Sad, clube que acabou quando se uniu ao FK Vojvodina). Leandro atua agora, juntamente com Eliomar Correia Silva, no Javor Ivanjica. Todos seriam o que chamo de “Kaká Noir”, termo do qual me apropriei aproveitando a fala de um jogador marroquino que chamava assim o seu companheiro brasileiro de equipe. Os “Kakás Noir” rodam o mundo por seu talento, mas também por conta da especial posição que ocupam no mercado étnico futebolístico, graças à transmissão do carisma dos futebolistas brasileiros mais famosos, como Kaká. E, mais ainda do que as celebridades, eles têm merecido teses e artigos. Queria ter conversado com Lucas, mas estava de férias, e não tive como contatá-lo.

 

Yamal, Maradona e…

 

Praticamente invisível nas ruas, o futebol aparece um pouco mais na TV sérvia. Um pouco mais, porque, durante a minha estada, o noticiário televisivo nacional foi ocupado pelos protestos liderados pelos estudantes contra o presidente, exigindo sua demissão, com manifestações que bloqueavam as ruas, e que tinham se iniciado em novembro, quando desabou o teto de uma estação ferroviária em Novi Sad, matando passageiros. De fato, as publicidades que vi na TV com jogadores de futebol – e foram apenas duas – tinham como estrela Lamine Yamal (publi de refrigerante) e... Endrick (publi do creme Nivea). Que o único brasileiro presente na TV seja Endrick me surpreendeu, não por ser um futebolista, mas pelo fato de ser um futebolista reserva no Real Madrid.


Endrick em comercial da Nivea. Imagem: Carmen Rial
Endrick em comercial da Nivea. Imagem: Carmen Rial

E mais inusitado ainda foi ter encontrado Maradona como estrela no cardápio de uma pizzaria onde almocei com colegas da Universidade de Córdoba (Cuba), da Universidade Nacional do México e da Universidade de Hradec Králové, depois de nossas apresentações num grupo de esportes no congresso dos Americanistas. Por que Maradona numa pizzaria? Ora, não é preciso recorrer à “retórica da imagem” de Barthes[i] para saber que Maradona evoca Nápoli – denota, diria o semiólogo francês.

 

Napoli é a cidade que, dizem, inventou a pizza. É famosa por isso. E, no futebol, foi graças a Maradona que ela entrou no mapa dos campeões italianos, vencendo a Serie A duas vezes (1986/1987 e 1989/1990), uma Copa da Itália (1986/1987), uma Supercopa Italiana (1990) e uma Copa da UEFA (1988/1989) – atual Liga Europa. Em Napoli, Maradona é nome de estádio e quase um santo. Faz todo o sentido estar na parede de uma pizzaria, em Novi Sad ou em qualquer outro lugar do mundo. Inusitado, mas justificável.


E mais inusitado ainda foi ter encontrado Maradona como estrela no cardápio de uma pizzaria onde almocei com colegas da Universidade de Córdoba (Cuba), da Universidade Nacional do México e da Universidade de Hradec Králové, depois de nossas apresentações num grupo de esportes no congresso dos Americanistas. Por que Maradona numa pizzaria? Ora, não é preciso recorrer à “retórica da imagem” de Barthes[i] para saber que Maradona evoca Nápoli – denota, diria o semiólogo francês.

 

Napoli é a cidade que, dizem, inventou a pizza. É famosa por isso. E, no futebol, foi graças a Maradona que ela entrou no mapa dos campeões italianos, vencendo a Serie A duas vezes (1986/1987 e 1989/1990), uma Copa da Itália (1986/1987), uma Supercopa Italiana (1990) e uma Copa da UEFA (1988/1989) – atual Liga Europa. Em Napoli, Maradona é nome de estádio e quase um santo. Faz todo o sentido estar na parede de uma pizzaria, em Novi Sad ou em qualquer outro lugar do mundo. Inusitado, mas justificável.


Maradona ilustra o cardápio de uma pizzaria em Novi Sad. Imagem: Carmen Rial
Maradona ilustra o cardápio de uma pizzaria em Novi Sad. Imagem: Carmen Rial

CORÉIA DO SUL, SEUL, JULHO DE 2025

 

Estádio da Copa

 

O estádio Sang-am foi um dos palcos em que, treinados por Felipão, jogamos na nossa última Copa vencida. Também foi onde o Brasil deu de 5 a 0 na seleção da Coreia do Sul no amistoso ocorrido em outubro. Hoje, ele é a casa do F.C. Seoul. Mais recentemente, o F.C. Seoul pôde ser visto jogando aqui quando foi adversário do Barcelona na primeira rodada da UEFA Champions League 2025/2026.

 

O estádio pertence à Federação Coreana de Futebol. Fica em uma área central da cidade e aproveita o espaço para acomodar um shopping center, um grande supermercado, e um dos mais requintados centros para eventos festivos (casamentos, aniversários etc.) que já vi. Ou seja, usa-se a infraestrutura do lugar – os parkings, metrô próximo – para disponibilizar outros serviços numa fórmula comum na Europa, mas ainda incipiente nos estádios brasileiros.

 

Museu de futebol

 

A maior atração do estádio Sang-am é um pequeno museu – pequeno comparado aos 17 outros que já visitei.[2] Ele expõe uma coleção diferente das que costumo encontrar. Como se sabe, as conquistas da seleção de futebol de homens coreana não são muitas – as das mulheres as superam de longe. O que mostrar? Algo da história do início do futebol na Coreia... Ok, está lá. E muito das conquistas da equipe formada por mulheres, que, aliás, existe desde muito cedo nessa história. Vemos algo da Copa do Mundo de 2002, quando alguns brasileiros aparecem em fotografias.

 

No mais, na falta de troféus significativos, não têm pudores de expor um troféu de fair play (sic) e outro recebido por Son Heung-min como o melhor em campo em um jogo de uma das Copas do Mundo mais recentes. Son e Park Ji-sung são as atrações maiores aqui, e bustos deles em papelão estão em duas salas – para os (poucos) visitantes que quiserem fazer selfies a seus lados. No mais, opta-se pela arte. Muitos desenhos preenchem as paredes. Há pinturas e uma sala onde um longo vídeo mostra uma mulher dançarina escrevendo no modo tradicional, com pincel e tinta, sobre um papel branco estirado de um rolo de madeira no chão. Um museu inusitado.

 


O museu do estádio Sang-am é preenchido por obras de arte. Imagem: Carmen Rial
O museu do estádio Sang-am é preenchido por obras de arte. Imagem: Carmen Rial

O futebol vai à cidade?

 

Vai pouco. Não se vê no espaço urbano uma presença do futebol, como em tantas outras cidades, mesmo na Ásia do Leste. De fato, nos dias em que estive em Seul, vi apenas duas camisetas de futebol sendo usadas: uma do Liverpool (Rooney), cuja imagem cacei de dentro de um ônibus, e outra do Bellingham, do Real Madrid, numa das salas do Museu Nacional da Coreia – aliás, um dos mais lindos no mundo – usada por um jovem asiático que não sei se era local ou estrangeiro.[3]

 

Venda de camisetas? Não vi em nenhuma loja, afora a localizada ao lado do Museu do World Cup Stadium, o Sang-am. E, no comércio informal, apenas vi no mercado popular de Namdaemun e em um único ponto de venda onde havia uma boa variedade de camisetas de equipes estrangeiras – o destaque sendo, claro, a de Son.


[4] Algumas reportagens realizadas durante o amistoso do Brasil contra a seleção da Coreia na data FIFA de outubro diziam, ao contrário, que muitas pessoas na rua vestiam camisetas de futebol. Não foi minha experiência na semana em que lá estive participando do congresso da International Sports Sciences Association (ISSA), quando caminhei muito, andei de ônibus e de metrô.


Há poucos pontos vendendo camisas de futebol em Seul. Imagem: Carmen Rial
Há poucos pontos vendendo camisas de futebol em Seul. Imagem: Carmen Rial

Camiseta de Son é o destaque. Imagem: Carmen Rial
Camiseta de Son é o destaque. Imagem: Carmen Rial

Se vi poucas camisetas, vi futebol em direto, zapeando pelos mais de 800 canais de TV, pois alguns transmitiram jogos da Eurocopa Feminina 2025. Mas nada do Campeonato Mundial de Clubes. E, uma vez, ao menos, na linha verde 02 do metrô, avistei um jovem espiando um jogo no celular. Ah, sim... sem surpresa: aqui se joga futebol no celular. Mas se joga também xadrez, o que nunca vi no Brasil. Além disso, vi também um jogo de futebol sendo transmitido em um pub, que, ao invés do Mundial de Clubes, passava para espectadores desatentos um jogo entre duas equipes locais.


Um rapaz assistia a um jogo no metrô. Imagem: Carmen Rial
Um rapaz assistia a um jogo no metrô. Imagem: Carmen Rial

Um pub transmitia um jogo entre equipes locais. Imagem: Carmen Rial
Um pub transmitia um jogo entre equipes locais. Imagem: Carmen Rial

Floorball – não confundir com futsal

 

“Qual teu esporte favorito?”, perguntei a um estudante que estava sentado ao meu lado, na prestigiosa Seoul National University (SNU), colocada no top 5 em muitos dos rankings mundiais e com um dos mais extensos campi que já visitei. O estudante deu o nome – que esqueci, pois nunca tinha ouvido falar – e me descreveu o jogo. Repetindo, a AI reconheceu como sendo o floorball (플로어볼).[5] E, aí, me mostrou um vídeo de uma espécie de ice cricket canadense praticado não sobre gelo, mas em uma cancha como a de futebol de salão.


O futebol concorre com outros esportes que são populares na Coreia: beisebol, basquete, floorball. Mas esses também não chegam a ter uma grande visibilidade no espaço urbano. Diversidade no gosto na Coreia, como na Sérvia e em tantos outros países. Estamos longe da monocultura esportiva que ainda prevalece no Brasil.

 

BRASIL, SALVADOR, AGOSTO DE 2025

 

As fotos que Verger não fez

 

Angela Elisabeth Lühning, diretora e curadora da Fundação Pierre Verger, em Salvador, nos recebe para uma conversa rápida depois da visita à casa-museu onde morou o fotógrafo francês que tão bem captou as pessoas simples dos países por onde passou. Repito para ela a pergunta que havia feito à nossa guia: “Verger, que fotografou tanto a capoeira, fez alguma foto do futebol?”

 

Ela pensa por um instante, percorrendo mentalmente os mais de 60 mil negativos da coleção já digitalizados. “Há uma foto de um rapaz usando uma camiseta de futebol. Ele fez num terreiro, aqui perto. Fotografou o rapaz e, por acaso, ele estava com uma camiseta. Mas, futebol mesmo, não, ele não fotografou”. Em silêncio, eu lamento. Teria sido bom vê-lo captar os gestos dos jogadores no gramado, na areia da praia ou nas ruas, e a vida que pulsava ao redor.

 

A Baba

 

Caminho pelo calçadão da orla na praia de Rio Vermelho e cruzo com um campinho de gramado artificial, todo cercado por alambrado, com uma disputada partida entre duas equipes de homens – uma delas usa “Baba” no nome, ou seja, o que no sul chamamos de pelada ou racha. O que me chama a atenção são os corpos dos participantes. Há muitos com mais de 60 anos e outros certamente bem acima do peso recomendado pela OMS.

 

O futebol é inclusivo como prática comunitária – o futebol é democrático, disseram outros. Claro, relativamente inclusivo, pois, nessa baba que inclui os gordinhos e pessoas de diferentes cores, não há mulheres, crianças, pessoas com deficiência...



  1. O termo “travelogue” foi criado em 1903 pelo fotógrafo e viajante Burton Holmes (ainda que haja controvérsias, pois também se indica John Bowker como o primeiro a usá-lo, em 1898) e combina “travel” (viagem) com “logue” (do grego “logos”, que significa “relato”). Atualmente, a palavra se refere a qualquer relato sobre uma viagem, escrito ou visual, com reflexões pessoais.

  2. BARTHES, Roland. Rehtorique de l'image. In: Communication, n. 4, 1964. 

  3. Visitei os museus:

·        Brasil: Internacional (2 vezes), Grêmio, Athletico Paranaense e Museu do Futebol do Pacaembu;

·        Uruguai: Centenário;

·        Argentina: River, Gimnasia e Estudiantes;

·        Espanha: Real Madrid (2 vezes), Atlético, Girona e Barcelona;

·        Portugal: Benfica (2 vezes) e Cidade do Futebol;

·        Turquia: Galatasaray e Fenerbahçe;

·        Grécia: Olympiacos.

  1. Algumas reportagens realizadas durante o amistoso do Brasil contra a seleção da Coreia na data FIFA de outubro diziam, ao contrário, que muitas pessoas na rua vestiam camisetas de futebol. Não foi minha experiência na semana em que lá estive participando do congresso da International Sports Sciences Association (ISSA), quando caminhei muito, andei de ônibus e de metrô.

  2. Um esporte com bastões e bola leve, jogado em piso de madeira. Muito parecido com o hóquei de piso, comum em escolas e clubes. Popular entre jovens e usado como atividade física recreativa.

 

Sobre a autora

 

Carmen Rial é professora titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em que atua no Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas. É coordenadora-geral do INCT Futebol e do Núcleo de Antropologia Audiovisual e Estudos da Imagem (NAVI/UFSC).

 

Se você se interessa por relatos de viagem, leia também o texto: Travelog 2: sobre camisetas, pernas ocultadas e clérigos xiitas


Como citar?


RIAL, Carmen. Travelogue 3: Sérvia, Coreia do Sul e Bahia. Bate-Pronto - INCT Futebol. Florianópolis, v.2 n.41, 2025.




 
 
 

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