Depois que os holofotes se apagam: algumas lições sobre a Copa do Mundo de Clubes
- INCT Futebol
- há 1 dia
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Luiz Henrique Zart (UFSC)
No texto abaixo, o autor reflete sobre a Copa do Mundo de Clubes enquanto acontecimento que nos faz ler importantes elementos do futebol contemporâneo.

Não é preciso se esforçar muito para ouvir, lá de longe, o refrão-chiclete de Freed from Desire, da cantora italiana Gala Rizatto, música que embalou a Copa do Mundo de Clubes. Parece que foi ontem, mas já faz meses que a competição acabou. Com o mundo pintado novamente de azul, com a vitória do Chelsea, da Inglaterra, foram 29 dias tomados por 63 partidas e nada menos que 195 gols marcados na primeira edição. Com os refletores apagados, vale fazer algumas considerações sobre o campeonato.
Bastidores, microfones: o sucesso ou o fracasso da Copa
Como um evento de proporções globais, a Copa do Mundo de Clubes começou muito antes de a bola rolar, nos bastidores – e nos microfones. A disputa entre a projeção de sucesso e as críticas à realização do torneio ficou evidente e ainda deve render muitas discussões a mais. Personalidades do futebol se posicionaram, como o respeitado treinador Jurgen Klopp, atualmente diretor da rede multiclubes da Red Bull, que declarou: “A Copa do Mundo de Clubes é a pior ideia já implementada no futebol”.
A fala do alemão se orientava por um receio: o aumento da quantidade de lesões e a provável queda de desempenho dos jogadores a longo prazo, com a consequente perda de valor do “produto” futebol, em especial por conta do intervalo da temporada europeia.
Posicionamentos nesse sentido não são novidade para Klopp: o ex-comandante do Liverpool já denunciava a sobrecarga dos atletas por conta de um calendário inchado – ainda mais com o acréscimo da Copa do Mundo de Clubes a partir de agora. Por consequência, também se reduziria o tempo entre férias e pré-temporada dos times que participaram da disputa para menos de 40 dias.
A oposição, já desde os bastidores, também partiu de organizações como a Federação Internacional dos Futebolistas Profissionais (FIFPro), que considera o intervalo insuficiente, sobretudo por envolver os mesmos atletas dos torneios de seleções. Além da FIFPro, também a liga espanhola, comandada por Javier Tebas, teve posição frontalmente contrária desde o princípio. Ele, inclusive, afirmou: “Meu objetivo é garantir que não haja mais Copa do Mundo de Clubes, isso está muito claro para mim”. No entanto, mesmo com esse posicionamento, a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), responsável pela seleção nacional, pela realização da Copa do Rei e das divisões inferiores, declarou-se interessada em ter o país como sede do torneio em 2029.
O embate entre FIFA e FIFPro tem gerado desdobramentos, mas também pode ser considerado um sintoma sobre os rumos da organização do futebol nos próximos anos. Afinal, o calendário é elemento central da disputa pelo controle do cenário global da modalidade. Também é uma demonstração da quantidade de camadas envolvidas no jogo político mobilizado pelo esporte.
Um campo com muitas influências
Engana-se quem pensa que a instabilidade política se restringe às entidades no entorno do futebol. Não custa lembrar que a primeira edição da Copa do Mundo de Clubes passa a ocupar um espaço que antes era da Copa das Confederações – como evento teste para a Copa do Mundo de Seleções. Por isso, tendo em vista o mundial do ano que vem, os Estados Unidos foram o cenário escolhido. Um cenário que coloca em jogo uma série de elementos tensionadores que ultrapassam, curiosamente, as fronteiras do esporte.
Além da complexidade de organização de um evento com fluxo de atores de todos os continentes, entre jogadores, torcedores e outros envolvidos em um ambiente de pressão política desmotivador, outras situações precisam ser consideradas. Ainda que tenham tentado, com forte apelo financeiro, incentivar a vinda de estrelas do futebol mundial para os campos norte-americanos, os Estados Unidos não têm uma cultura futebolística consolidada. O baixo interesse foi perceptível também por conta da procura por ingressos – impactada também pelo anúncio de realização do campeonato há pouco tempo, em comparação ao que é comum em relação a outros eventos da mesma magnitude. Mesmo a estrutura oferecida pelos estádios da liga norte-americana não era exatamente adequada à prática do futebol.
Todo esse contexto é especialmente atravessado pelo interesse de entidades e clubes europeus pelo torneio. Depois do fracasso na tentativa da criação de uma Superliga Europeia, alguns times que estiveram mais distantes, como o PSG de Nasser Al-Khelaifi, aproximaram-se dos anseios da FIFA, que tem estreitado laços com personalidades, governos e outras instituições, especialmente do Oriente Médio, para a realização de seus torneios de clubes e seleções – numa troca entre recursos e poder de influência, misturada à tentativa da construção de uma imagem positiva por parte de atores politicamente influentes desses países. É pontual lembrar que, para além da repercussão midiática, do engajamento nas redes sociais e da percepção dos públicos sobre a iniciativa, patrocinadores devem estar dispostos a vincular suas marcas à competição. Por isso, a percepção positiva é tão valiosa para a FIFA.
Nesse sentido, os incentivos financeiros não são poucos. O campeão, depois de sete jogos, embolsou nada menos que 115 milhões de dólares ao longo da disputa, quantia não muito distante dos 154 milhões recebidos pelo vencedor da Liga dos Campeões da Europa. Mesmo sem a conquista, equipes que avançaram apenas às quartas de final, por exemplo, faturaram algo em torno de 60 milhões de dólares, fatia de arrecadação considerável mesmo para clubes da primeira prateleira do velho continente.
Quanto importam a visibilidade e o dinheiro?
Se os recursos e a visibilidade são aspectos interessantes para os clubes, também chamam a atenção de empresas de mídia. O Grupo Globo, conhecido pela proximidade com a FIFA e a CBF na negociação dos direitos de transmissão de competições de grande apelo realizadas pelas entidades, foi um dos principais responsáveis pelas transmissões dos clubes brasileiros. Tanto o canal aberto quanto a opção por assinatura, o SporTV, alcançaram 127,8 milhões de pessoas, segundo informações da empresa de tecnologia e inteligência de dados Timelens.
Ainda de acordo com o que indica a empresa, no entanto, o conglomerado não está mais sozinho: nos últimos anos, ganhou a forte concorrência da Cazé TV. De acordo com dados da Folha de S.Paulo, o canal de Casimiro alcançou 46 milhões de dispositivos no YouTube – quatro milhões a mais que a marca registrada durante os Jogos Olímpicos de Paris, em 2024 – além de 92 milhões de interações no Instagram e 4 bilhões de visualizações somando TikTok, Instagram e YouTube durante a competição. Isso demonstra, em alguma medida, que não só torcedores dos quatro clubes brasileiros classificados assistiam às partidas, mas também os chamados secadores se interessavam pelos assuntos em torno da disputa. Uma visão completamente diferente daquela demonstrada pelos clubes europeus, em geral.
Os mesmos que, em alguma medida, demonstraram certo desinteresse – ao menos no discurso, mesmo com o torneio já ocorrendo – faziam questão de desqualificar o caráter competitivo. Soberba? Prepotência? Em determinado momento, sustentada pelo poder financeiro das equipes da Europa, não raro formadas basicamente por jogadores de seleções importantes. No futebol globalizado, a distância das cifras era gritante: de acordo com o Transfermarkt, o elenco do Paris Saint-Germain valia suntuosos 6 bilhões de reais, enquanto o Botafogo, única equipe a bater os franceses na competição, tinha entre seu plantel um sexto do valor do adversário. Mais que o elenco, a receita também salta aos olhos: segundo o jornal Lance!, enquanto o alvinegro carioca acumulou 719 milhões de reais em receitas em 2024, o PSG gerou cerca de 5 bilhões.
A discrepância financeira é evidente, sobretudo por conta de um modelo de concentração de capital que se intensificou no século XXI. Grupos econômicos passaram a perceber os campos de futebol como um espaço de influência (geo)política no qual valia a pena investir cifras bilionárias, porque o retorno viria com o tempo. Com esse movimento, países sul-americanos e de outras regiões do globo passaram a fornecer seus talentos mais valiosos, vendidos cada vez mais jovens a clubes da Europa – que contam com moedas muito mais valorizadas, tornando a concorrência desleal, além de oferecer a oportunidade de frequentar campeonatos mais organizados e prestigiados internacionalmente que os brasileiros.
Quando os holofotes se apagam
Apesar de tudo isso, na Copa do Mundo de Clubes, o futebol também fez questão de jogar tudo pelos ares. Não foi necessariamente um passeio dos europeus, como se esperava – ainda que, no fim das contas, a capacidade financeira tenha contribuído (e decidido) nas fases finais da competição. João Pedro que o diga. Ingleses e franceses campeões da Champions sofreram nas mãos de times verde-amarelos. O Fluminense fez a melhor campanha entre os brasileiros, indo além dos prognósticos. Entre outras surpresas, outros times não europeus passam a pensar na vitória não mais como um milagre, mas como uma possibilidade. De certa forma, isso anima e mobiliza também torcedores e rivalidades, questionando o pedestal em que os intocáveis europeus foram colocados por muito tempo.
Até certa altura, a realidade fez questão de se mostrar e romper com expectativas. Porque, apesar dos abismos financeiros, a Copa do Mundo de Clubes serviu para derrubar algumas percepções pré-concebidas (mesmo na final). E, ainda que dois clubes europeus de poderio financeiro inquestionável tenham disputado a decisão, aqueles tratados – por si mesmos e pelos outros – como “vira-latas” também puderam sentir o gosto de algum protagonismo em uma competição do tamanho de uma copa de clubes, porque ninguém vence de véspera e o “cemitério do futebol está cheio de favoritos”.
Em um sistema desenhado para privilegiar hegemonias, em que a disparidade estrutural e histórica parecia ser o único denominador possível, é curioso perceber que houve caminhos diferentes. Fissuras nas expectativas inquestionáveis. Histórias diferentes. Talvez por isso a Copa do Mundo de Clubes tenha deixado um sentimento, ao menos nos públicos, de que foi uma experiência interessante. Mesmo para quem não tinha tanta ligação com o esporte, por curiosidade, se pegava assistindo aos jogos. Porque o futebol é um fenômeno cultural multifacetado.
Além dos resultados, dos placares, nesse sentido, é curioso notar como sentimentos foram mobilizados pela competição. As arquibancadas são uma grande prova disso, abrigando manifestações diversas em um choque de maneiras de entender e reagir ao futebol em diferentes partes do mundo. Entre barras, organizadas, aficionados de outros continentes também desfilaram seu torcer e pulsar nos estádios norte-americanos.
Em algum momento dos jogos, hierarquias foram reorganizadas de forma diferente do futebol de seleções. Porque clubes estão mais presentes na rotina dos torcedores enquanto elementos de caráter coletivo, de pertencimento. Mesmo rivais se viram, em algumas situações, unidos a favor de clubes sul-americanos ou não-europeus, como que em uma ilusão de que todos estavam do mesmo lado. Era uma espécie de desafio, uma tentativa de interrupção temporária do fluxo e da lógica do futebol globalizado. Ainda que envolto pela lógica do capital como um produto espetacularizado e envolto por interesses muitas vezes escusos, em algum sentido, torcedores resistem. As histórias quebram roteiros prontos. Persistem. No fim, os holofotes se apagam, mas ficam algumas lições.
Sobre o autor:
Luiz Henrique Zart é jornalista, mestre e doutorando em Jornalismo (PPGJOR/UFSC). Também é especialista em Comunicação e Jornalismo.
As perspectivas presentes nos artigos veiculados no blog Bate-Pronto não necessariamente refletem as posições institucionais do INCT Futebol.
A Copa do Mundo de Clubes já foi tema de outros textos do Bate-Pronto. Se você se interessa pelas reflexões sobre esse evento, irá gostar também do nosso artigo: “O cemitério do futebol está cheio de favoritos”?
Como citar:
ZART, Luiz Henrique. Depois que os holofotes se apagam: algumas lições sobre a Copa do Mundo de Clubes. Bate-Pronto – INCT Futebol. Florianópolis, v. 2, n. 40, 2025.
Depois que os holofotes se apagam: algumas lições sobre a Copa do Mundo de Clubes © 2025 by Luiz Henrique Zart is licensed under CC BY-NC 4.0




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