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Rompendo o silêncio: o futebol brasileiro e a cultura do estupro em pauta

Atualizado: 26 de abr.

Caroline de Almeida

Carmen Rial 

Mariane Pisani






Na última semana, o Superior Tribunal de Justiça votou pela homologação da sentença da justiça italiana que condenou o ex-jogador de futebol Robinho a nove anos de prisão pela participação no estupro coletivo de uma mulher albanesa em uma boate na cidade de Milão, em 2013.  


Importante lembrar da sua reincidência. Em 2009, o jogador foi acusado de estuprar uma jovem universitária em uma casa noturna em Leeds, quando atuava pelo Manchester City. Na ocasião, a polícia inglesa acabou arquivando o caso. 


Assim como em 2009, quatro anos depois, Robinho alegou  inocência. No entanto, em  áudios de conversas obtidas por investigadores na Itália, o ex-futebolista admite a participação e se mostra preocupado com a repercussão do caso em sua carreira. Referindo-se ao ato de estuprar uma pessoa como “essa p*rra” e “essa m*rda”, afirmou: “Se essa p*rra sair na imprensa, já era Copa, já era casamento. De novo acusado de estupro. Aí ‘nego’ vai falar um monte de m*rda, f*der minha imagem, de novo essa m*rda”. 


Após a primeira condenação na Itália em 2017, Robinho permaneceu em liberdade enquanto recorria à pena em todas as instâncias italianas e brasileiras. No mesmo ano, chegou a jogar no Atlético Mineiro e a defender a Seleção Brasileira em amistoso. Entre 2018 e 2020, se transferiu para a Turquia, tendo passagens pelas equipes do Sivasspor e do Basaksehir. Ao voltar para o Brasil, chegou a ser anunciado como reforço no Santos, mas a pressão dos patrocinadores impediu a contratação do atleta por seu clube de formação. 


No último dia 20, o STJ ratificou a decisão da corte italiana, emitindo a ordem de prisão do ex-jogador no Brasil. A defesa ainda tentou um habeas corpus baseado na proteção da integridade física de Robinho, o que foi negado pelo STF. A prisão foi realizada no dia seguinte pela Polícia Federal em Santos.


No entanto, é preciso destacar a tensão entre o caso Robinho e outros de grande repercussão atuais ou recentes, como a liberdade provisória concedida pela justiça espanhola a Daniel Alves e a declaração de culpa proferida por Cuca mais de trinta anos após ter participado do estupro de uma adolescente na Suíça.



Diante dessa sequência de violências cometidas contra mulheres e envolvendo homens, tanto estrelas do futebol brasileiro quanto federações e clubes têm permanecido em silêncio. A Confederação Brasileira de Futebol levou dias para se pronunciar, quando deveria ser a primeira. Um silêncio que atinge, sobretudo, as torcedoras, que sentem suas vozes ainda silenciadas.


Importante lembrar que o universo futebolístico no Brasil tem uma dívida histórica com as mulheres. Nós fomos impedidas de jogar e tivemos nossas opiniões ignoradas ao falar sobre futebol, ainda que estivéssemos presentes desde o início do esporte. Aliás, o âmago da ideia de “torcer” está nas mulheres, afinal, a semântica singular do vocabulário futebolístico brasileiro deriva das mulheres nas arquibancadas torcendo lenços ou luvas ao assistir jogos. Na década de 1910, a palavra passou a ser utilizada para se referir a entusiastas de clubes de futebol, porém na flexão de gênero feminino “torcedoras”. 


Esse silêncio mais do que incomoda, revolta. É o que a presidenta do Palmeiras, Leila Pereira, definiu como um “tapa na cara de todas nós mulheres”. Enquanto CBF e clubes se calavam, Leila aproveitou o momento em que estava presidindo a delegação da seleção na Inglaterra para expor a deliberada falta de ação de representantes do futebol brasileiro: “cada caso de impunidade é a semente do crime seguinte”, disse.


Ela foi contundente e direta em relação à condenação de Robinho e Daniel Alves. Muito mais do que o hesitante pronunciamento do técnico da seleção, Dorival Junior, ou a lamentável intervenção do assessor de imprensa Rodrigo Paiva, tentando impedir o capitão da seleção Danilo de responder uma questão sobre os estupros durante a entrevista coletiva (felizmente sem sucesso). 


Por outro lado, o Bahia, primeiro clube de destaque defendido por Daniel Alves, lançou recentemente uma campanha em que denuncia a misoginia enraizada na formação do pensamento social: “O Esporte Clube Bahia levanta sua voz contra a cultura do estupro e convida o mundo do futebol a ingressar nesse debate”.





No vídeo “A culpa é sua, o corpo não”, uma mulher,  aprisionada em uma banheira encardida, luta para se desvencilhar de frases frequentemente ligadas à chamada “cultura do estupro”. À medida que as falas são proferidas, mãos despejam água na banheira, cobrindo gradualmente o corpo da mulher. Paralelamente, cenas relacionadas às frases são sobrepostas à imagem. A mensagem final enfatiza: “Se você tem pensamentos e atitudes machistas, você está alimentando uma cultura. A cultura do estupro – a culpa é sua, o corpo não”.


O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, dedicando-se ao estudo do futebol brasileiro, inclui em sua agenda pesquisas que abordam essa temática. Nosso objetivo é questionar e desconstruir o pensamento estrutural que legitima essas violências. Lutamos para que o futebol seja um espaço inclusivo, onde esses problemas sejam enfrentados por meio de um debate amplo, aberto e plural.


É uma posição que esperamos que CBF e federações adotem. E que também os clubes, a exemplo do Bahia, tragam essa discussão a seus atletas e torcidas. É no espaço do futebol que racismo, homofobia e machismo têm se expressado e é nesse espaço que precisam ser contestados enfaticamente, condenados, criminalizados.


Escrito em 25/03/2024


SOBRE AS AUTORAS:


Caroline de Almeida Universidade Federal de Pernambuco. Doutora em Antropologia e coordenadora da Linha de Pesquisa “Futebóis de Mulheres, de Indígenas, Paralímpico e LGBTQIA+” (INCT-Futebol).

Carmen Rial Universidade Federal de Santa Catarina. Doutora em Antropologia e coordenadora do INCT-Futebol.

Mariane Pisani Universidade Federal do Piauí. Doutora em Antropologia e vice-coordenadora do INCT-Futebol.


COMO CITAR:


ALMEIDA, Caroline. RIAL, Carmen. PISANI, Mariane. Rompendo o silêncio: o futebol brasileiro e a cultura do estupro em pauta. Bate-pronto, INCTFUTEBOL, Florianópolis, V.1, n.2, 2024.






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