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Drops de viagem – Paris, junho de 2025

Atualizado: 8 de jul.

Carmen Rial (INCT Futebol/UFSC)

Miriam Grossi (INCT Futebol/UFSC)


No texto a seguir, as professoras Carmen Rial e Miriam Grossi contam as novidades sobre futebol apreendidas na última viagem delas a Paris.

As autoras registraram em fotos sua viagem a Paris. Imagem: Carmen Rial e Miriam Grossi
As autoras registraram em fotos sua viagem a Paris. Imagem: Carmen Rial e Miriam Grossi

As futebolistas ganham o espaço público


No corredor do metrô de Paris, uma surpresa: um anúncio das camisetas da seleção “azul”, os Bleus – denominação da seleção francesa. Que a Federação Francesa de Futebol publicize as camisetas de sua seleção não é nada inédito. Vi centenas de publicidades com Kylian Mbappé e Cia. A novidade está em ter as jogadoras anunciando, sem que houvesse qualquer motivo especial. Não estamos no ano da Copa do Mundo e nem havia algum evento delas na cidade. Havia um amistoso contra a seleção brasileira, em Grenoble, na semana – em que as brasileiras começaram ganhando por 2 a 0 e levaram a virada no segundo tempo. O jogo não foi transmitido pela TV e, como os outros jogos preparatórios para a Eurocopa, recebeu uma cobertura moderada da imprensa escrita.


Anúncios assim vi muitos em Washington DC, da equipe local de mulheres, o Washington DC Spirit, bem mais conhecida do que a equipe masculina. E não apenas nas estações de trem e no metrô, mas também na rua, em outdoors enormes.


Claro que a iniciativa da FFF não tem como objetivo único a valorização do futebol de mulheres, que acaba sendo um efeito colateral da publicidade. O alvo está em estender o público consumidor de futebol – e, no caso, de camisetas de futebol – à outra metade da população: as mulheres. Será que veremos algo assim no Brasil em breve?



Jogadoras estampam a campanha com as camisas da seleção. Imagem: Carmen Rial e Miriam Grossi
Jogadoras estampam a campanha com as camisas da seleção. Imagem: Carmen Rial e Miriam Grossi

Embaixador do Brasil na França


Muitos jogadores brasileiros passaram pelas equipes da França. A lista é grande, e eu mesma (Carmen), a partir de 2004, pude conversar com vários deles – que atuavam em Lille, Nancy, Paris, Lyon e Monaco (outro país, mas a mesma Liga 1). Alguns se radicaram na França, assumindo cargos no jornalismo esportivo – como Sonny Anderson (Lyon, Monaco), que se tornou comentarista na rede de televisão Bein Sport – ou postos de direção em clubes – como Juninho Pernambucano (e mesmo Sonny Anderson por um tempo), em Lyon. Mas nenhum deles tem hoje a projeção de Raí, eleito pelo PSG o melhor jogador do clube de todos os tempos [1].


Nunca conversei com Raí, embora, para a anedota, possa dizer que, retornando de um pós-doc em 1998, quase compartilhamos um container de viagem com ele. Raí estava deixando, depois de 5 anos, o Paris Saint Germain e buscava alguém para dividir um container com a mudança da família, conforme nos disse o vendedor.  Ainda que tenha partido há 28 anos, Raí continua sendo requisitado como a cara do futebol brasileiro e, metonimicamente, do Brasil na França, sempre que necessário. E não por seus feitos futebolísticos, embora tenha ganhado todo o respeito nos cinco anos em que foi capitão no PSG, na era pré-Qatar.


Lembro particularmente de um jogo em que o PSG precisava ganhar por uma diferença de 5 gols para passar de fase na Liga dos Campeões, e Raí, cérebro do time, comandou a equipe numa vitória épica. Ou seja, Raí deixou o PSG, mas não deixou Paris ou a França. Concluiu, em 2024, aos 59 anos, um mestrado em Política Pública pela conhecida faculdade de Ciências Políticas, a Sciences Po [2], uma das mais respeitáveis instituições de ensino no país. Mas, segundo ele, não para fazer política, mas para “renovar sua paixão por ciências humanas e política”[3] e aplicar os conhecimentos do curso nos projetos sociais em que se insere. Também me lembro particularmente de ele ter recebido o primeiro prêmio Sócrates da FIFA, há dois anos.


Ele é tão a cara do nosso país por lá que, em 2025, no ano France-Brésil, foi escolhido para anunciar as atividades previstas no Paris Plages, programa cultural de atividades de verão organizado pela Prefeitura de Paris, na beira do Rio Sena. A reportagem mostra a “Paris de Raí”, em que ele fala dos lugares que gosta de frequentar, dos parques onde faz piquenique com amigos e de seu desejo de mergulhar no Sena, neste ano em que o rio estará despoluído e novamente banhável, após décadas poluído.


Raí é o rosto do Brasil na França. Imagem: Carmen Rial e Miriam Grossi
Raí é o rosto do Brasil na França. Imagem: Carmen Rial e Miriam Grossi

Futebol e lésbicas


Quem atravessa o Sena pela ponte Alexandre III talvez nem note um curioso flamingo rosa de plástico inflável sobre uma das peniches, barcos restaurantes atracados no cais. E, se notar, nem vai imaginar que ali se reúne o Rosa Bonheur Time Moderno, time formado por mulheres lésbicas que, como se lê no seu card de divulgação, “existe desde 1998 e já venceu competições como o Torneio Internacional de Paris e o Gay Games [4], Paris 2018”. O time está vinculado à rede de bares Rosa Bonheur, que homenageia a pintora lésbica Rosa Bonheur (1822-1899), conhecida por suas pinturas em óleo de animais em estilo realístico (animalière). A equipe “treina” todas as quartas-feiras no bar Rosa Bonheur sur Seine, o restaurante-bar que fica no barco atracado no Port des Invalides. Além do time, elas organizam sua própria torcida e um grupo de caminhadas. Rosa Bonheur, a pintora que desafiava as convenções de gênero no século XIX, provavelmente, jamais chutou uma bola.

O vibrante time Rosa Bonheur Time Moderno. Imagem: Carmen Rial e Miriam Grossi
O vibrante time Rosa Bonheur Time Moderno. Imagem: Carmen Rial e Miriam Grossi

Mundial de clubes: ninguém sabe, ninguém viu


Se depender da imprensa francesa (ou espanhola, pelo que vi acessando os principais jornais de lá), esse será o mais invisível dos mundiais já organizados pela FIFA. Não há transmissão de jogos. Enquanto se preparam para as longas jornadas cobrindo o Tour de France de bicicleta nos canais públicos e prometem o de tênis de Wimbledon nos pagos, estão transmitindo os do campeonato europeu de homens sub-19. O rúgbi continua, claro, como tradicionalmente, aos sábados. Porém, do mundial de clubes, nada nos jornais televisivos, nem sequer o anúncio do resultado dos jogos.


O jornal l’Équipe dedicou algumas linhas ao retorno de Démbélé contra o Inter Miami, mas com a intenção de projetar uma futura eleição ao Ballon d’Or mais do que avaliar seu impacto potencial na equipe do PSG, que continua na disputa do que seria o seu quinto título da temporada. E o mesmo acontece com os jornais espanhóis, mesmo os de Madrid, que desconhecem solenemente o torneio, dedicando notinhas à participação do Real Madrid e do desclassificado Atlético. Ainda assim, enviaram repórteres aos States, em bem menor número do que os italianos (La Gazzetta delo Sport [5]).


Quem, de fato, desconsiderou totalmente o torneio foi a imprensa inglesa. Prova de que o torneio que interessa aos europeus é a Liga dos Campeões? Tendo a pensar que é mais a prova de que, no sistema futebolístico atual, o campo jornalístico é central. Um torneio que não tem direitos de transmissão vendidos para as televisões num continente tende a ficar invisível em todas as suas mídias. É a circulação circular da informação de que fala Bourdieu, em que uma pauta alimenta outra, sem a preocupação da redundância. A FIFA, que recebeu 1 bilhão de dólares da DAZN – que, por sua vez, pagou com dinheiro da Arábia Saudita, de onde são seus proprietários – e usou o recurso para pagar os clubes com prêmios superiores aos de qualquer outro evento que tenha patrocinado, vai ter que repensar a estratégia de mídia.


De qualquer modo, na luta contra a UEFA pela liderança do futebol na Europa, a FIFA avançou bem. Tudo indica que em poucos anos esse torneio será mais importante não apenas em comparação com a Liga dos Campões da UEFA, mas também com a Copa do Mundo da FIFA. O sentimento de pertencimento clubístico parece pouco a pouco superar o pertencimento nacional, presente na Copa.


Futebol de várzea em Paris???


“Você tem entre 15 e 17 anos? Quer jogar futebol de rua? Venha participar de um torneio de futebol excepcional na Place du Châtelet! Em parceria com o PUC, equipes de 4 jogadores(as) se enfrentarão em um campo ao ar livre para disputar a vitória – e encerrar o dia em grande estilo com uma cerimônia de premiação ao final do torneio” Isso é o que se lê na publicidade do programa Festival des Places organizado pelo Théâtre de la Ville. O programa, que ocupou a Place du Chatelêt por todo o domingo, 22 de junho, incluía também atrações musicais como o DJ Major Tom.


Futebol em plena praça de Chatelet, uma das mais centrais da cidade, que tem dois teatros: o de la Ville (que aparece como um dos organizadores da brincadeira) e o de Chatelet! Nada mal.


Convite para torneio de futebol de rua em Paris. Imagem: Carmen Rial e Miriam Grossi
Convite para torneio de futebol de rua em Paris. Imagem: Carmen Rial e Miriam Grossi

Novas contratações 


O INCT Futebol passa a ter duas “correspondentes” em Paris: a antropóloga Andrea Eichenberger (fotógrafa e doutora em Etnologia – Université Paris 7 e École Supérieure de Photographie EFET) e a socióloga Camila Gui Rossati (doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo e pesquisadora-associada do Centre de Recherches sur le Brésil Colonial et Contemporain –

CRBC/EHESS). Elas passam a integrar nosso time e vão, inicialmente, pesquisar imigrantes brasileiras que jogam futebol, com o projeto “Mulheres brasileiras, imigrantes e boleiras: um olhar sobre as práticas de futebol comunitário na França por meio da fotografia colaborativa”. Em breve, teremos notícias delas.


Andrea Eichenberger e Camila Gui Rossati são as “correspondentes” do INCT Futebol em Paris. Imagem: Carmen Rial e Miriam Grossi
Andrea Eichenberger e Camila Gui Rossati são as “correspondentes” do INCT Futebol em Paris. Imagem: Carmen Rial e Miriam Grossi

Marinette – o filme


Na TV aberta, horário nobre, assisto a um filme sobre a mais importante futebolista francesa: Marinette Pichon. O filme Marinette (2023) [6] , dirigido por Virginie Verrie, se baseia na biografia Ne jamais rien lâcher e narra a trajetória dessa figura central na história do futebol francês. Nascida em 1975, ela rompeu barreiras ao tornar-se a primeira jogadora da França – entre homens e mulheres – a atuar profissionalmente nos Estados Unidos. É também detentora dos recordes de gols e convocações pela seleção francesa.


O roteiro percorre três décadas de sua vida, desde uma infância difícil, marcada pela violência doméstica de um pai que não a queria jogadora, até o auge da carreira internacional. Começou cedo, protegida pela mãe, e aos cinco anos já despontava como promessa no Saint-Memmie Olympique. Ingressou na Women’s United Soccer Association (WUSA), em que defendeu o Philadelphia Charge nas temporadas de 2002 e 2003. Foi eleita a melhor jogadora da liga norte-americana e artilheira em dois anos consecutivos, além de conquistar o título de “Most Valuable Player” em 2003.


De volta à França, atuou pelo Juvisy FCF e seguiu como peça-chave da seleção nacional entre 1994 e 2006, até se aposentar aos 31 anos. Marinette construiu, contra todas as probabilidades, uma das carreiras mais marcantes do futebol mundial, mas está longe de poder ser considerada, como no filme, a maior de todos os tempos. 


Quando Marta merecerá um filme?


[1] Raí foi eleito como o maior jogador na história do clube, com 24,78% dos votos, em uma eleição para celebrar o aniversário de 50 anos do Paris Saint-Germain. Ela contou com votos de 2.500 pessoas, entre ex-jogadores (30% dos eleitores), jornalistas (30%) e sócios da agremiação (40%). O brasileiro ficou bem à frente do bósnio Susic - 344 jogos e 86 gols entre 1982 e 1991, com 14,18%. Ronaldinho Gaúcho apareceu em terceiro lugar, seguido de  Ibrahimovic. O português Pauleta ficou em quinto, e Neymar em sexto. Ver: https://www.lance.com.br/futebol-internacional/psg-elege-rai-como-maior-jogador-sua-historia-r10-neymar.html. Acesso em: 29 de jun. 2025.

[4] Ver: https://rosabonheur.fr/a-propos/. Acesso em: 29 de jun. 2025.



Sobre as autoras


Carmen Rial é Professora Titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde atua no Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas. É coordenadora do Núcleo de Antropologia Audiovisual e Estudos da Imagem (Navi). Também é coordenadora-geral do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Estudos do Futebol Brasileiro.


Miriam Grossi é Professora Titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde atua no Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas. É coordenadora editorial dos Cadernos de Gênero e Diversidade. Também é coordenadora da IUAES Commission of Global Feminisms and Queer Politics.


Temos publicado no Bate-Pronto, alguns textos de relatos de experiência. Se você gosta desse formato, poderá gostar também do nosso artigo: Dérbi multissituado em três atos.

Como citar

RIAL, Carmen; GROSSI, Miriam. Drops de viagem – Paris, junho de 2025. Bate-pronto, INCTFUTEBOL, Florianópolis, v. 2, n.21, 2025.


 
 
 

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