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Camisa vermelha da seleção brasileira e os novos capítulos da disputa pelos símbolos nacionais

Marcelo Alves de Resende (UERJ)


No texto a seguir, o autor insere a polêmica sobre a camisa vermelha da seleção em um contexto maior de “sequestro” da camisa verde e amarela por parte da extrema-direita no Brasil.



Reapropriação da camisa verde e amarela. Imagem: Marcelo Resende (editado com DALL-E)
Reapropriação da camisa verde e amarela. Imagem: Marcelo Resende (editado com DALL-E)

Os anos de 2024 e 2025 trouxeram novos capítulos na disputa pelos símbolos nacionais, especialmente em relação à bandeira do Brasil e à camisa verde e amarela da seleção brasileira de futebol, sinônimo de sucesso brasileiro no mundo. A discussão mais recente partiu da divulgação, por parte da imprensa esportiva, de que a nova camisa número 2 da seleção brasileira para a Copa do Mundo de 2026 seria vermelha, notícia que gerou grande repercussão no público – no ambiente digital e fora dele – e na imprensa. O debate sobre o vermelho foi desde questões políticas até a clubística, o que levou a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) vir a público negar que confeccionaria o uniforme vermelho e que a nova peça seguiria o estatuto da entidade, que define que as cores da roupa devem seguir as do país. De maneira sucinta, em nota, a CBF disse que “reafirma o compromisso com seu estatuto (os padrões nas cores amarelo tradicional e azul serão mantidos) e informa que a nova coleção de uniformes para o Mundial ainda será definida em conjunto com a Nike”. 


A escolha da camisa vermelha


De acordo com notícia publicada pelo jornal O Globo em 29 de abril1, dia em que a novidade veio à tona, a escolha do vermelho não teria nenhuma referência à política – seria esdrúxulo pensar, em termos de campanha de comunicação, um conceito que gera racha político entre os brasileiros. A ideia considerou quesitos comerciais e publicitários, seguindo o lançamento de uniformes da fornecedora Nike, patrocinadora da CBF e da marca Jordan, que seria estampada no uniforme brasileiro.


O jornalista Diogo Dantas, autor da matéria no site do jornal carioca, disse que o uniforme vermelho não teria sido unanimidade dentro da própria confederação. Existiam os defensores de um terceiro uniforme, sem substituir os atuais verde e amarelo (principal) e azul (reserva). No entanto, a Nike não cria terceiro uniforme para nenhuma seleção, porque poderia prejudicar as vendas dos outros dois. O fato é que a camisa foi aprovada, como inicialmente publicado pelo site estrangeiro especializado em uniformes Footy Headlines. A ideia da Nike de fazer o terceiro uniforme prevaleceu, com o aval de Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF.


A repercussão da camisa vermelha da seleção brasileira


Instituto de consultoria e pesquisa, a Quaest realizou um levantamento nas redes sociais sobre a discussão da suposta camisa vermelha, considerando os dias 28 e 29 de abril, nas plataformas X (ex-Twitter), Instagram, Facebook, Reddit, Tumblr e YouTube, além de sites de notícias2. O estudo demonstrou que houve forte rejeição à mudança das cores para o vermelho: 90% dos comentários foram negativos e 10% positivos. A pesquisa disse que foram 24 milhões de menções ao tema, com média de 43 milhões de visualizações e 13 milhões de menções. Números que confirmam a celeuma em torno do assunto na população.


Em editorial intitulado “Não tem cabimento a seleção brasileira usar camisa vermelha”, o jornal O Globo criticou a possibilidade de uma camisa vermelha para a seleção brasileira, afirmando que “respeito à tradição é essencial”, lembrando as discussões políticas e chamando a atenção para a “polarização” em torno do uniforme do Brasil, capturado por bolsonaristas: “Pode-se argumentar que o pau-brasil, de coloração avermelhada, está na origem do nome do país. Mas não era preciso muita sofisticação para prever o efeito explosivo da mudança num país polarizado, onde a camisa amarela da seleção foi adotada como uniforme por bolsonaristas, e o vermelho é a cor tradicionalmente associada ao PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, disse o veículo.


A suposta camisa vermelha foi assunto de representantes no Congresso Nacional. O G1 destacou falas de parlamentares sobre o tema3. Filho de Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro defendeu o verde e amarelo, posicionando-se contra a camisa vermelha: “sempre foi verde e amarela, as cores da nossa pátria. Mudar isso não faz qualquer sentido. É uma afronta a tudo o que sempre representou o orgulho do nosso povo!”. O mesmo veio do posicionamento do deputado federal Arthur Maia, do União Brasil, partido de direita: “A seleção é um dos mais expressivos símbolos do nosso país e obviamente que as cores devem estar relacionadas com a bandeira nacional: o verde, o amarelo e o azul-celeste, como sempre atuou a nossa gloriosa seleção canarinho”. O portal também destacou a crítica de Randolfe Rodrigues, do PT, de esquerda: “As cores da nossa seleção não são uma ‘identidade ideológica’; elas representam o que nos distingue no mundo. As cores de uma seleção têm relação com a identidade nacional. Qualquer cor diferente do verde, amarelo, branco e azul não se justifica.”


O G1 destacou a fala de três parlamentares de espectros políticos diferentes: um da extrema-direita, outro de centro-direita e outro de esquerda. Os três contrários à camisa vermelha. De esquerda, Randolfe Rodrigues criticou uma possível ideologização dos símbolos nacionais. Marcelo Resende (2024) lembra que retirar qualquer ideologização, em vez de significá-la com discursos populares, ligá-la ao povo brasileiro, deixa os símbolos nacionais livres para serem sequestrados novamente. Deixá-los abertos sem sentido unificador abre portas para futuras segregações sociais, como aconteceu com o sequestro bolsonarista.


A disputa política pelos símbolos nacionais


A suposta nova camisa vermelha da seleção brasileira não ficou apenas na discussão pelas cores, mas caminhou especialmente para o que essas cores representariam, levando ao debate político. Como apresentou Marcelo Resende (2024), a camisa da seleção brasileira e demais símbolos nacionais, como a bandeira e o hino, foram sequestrados pelo bolsonarismo (Guedes e Almeida, 2019), campo da extrema-direita no Brasil, num processo que envolveu diversos eventos políticos na década passada: o aparecimento de Jair Bolsonaro em programas de TV (CQC, Superpop e Programa Pânico); as Jornadas de Junho; a contestação do resultado das eleições de 2014 por Aécio Neves (PSDB); o processo do golpe parlamentar que retirou Dilma Rousseff da presidência; Sergio Moro, Lava-Jato e Vaza-Jato; a retirada de Lula da disputa das eleições de 2018, etc. Processos políticos que culminaram na ascensão de Jair Bolsonaro, que os aproveitou para se apropriar dos símbolos nacionais para o seu movimento político e vencer as eleições presidenciais em 2018. O bolsonarismo, como aponta Marcelo Resende (2024), tem uma idealização de país a partir da lógica patriarcal e neoliberal, com discursos que são contrários a minorias sociais, como mulheres, LGBTQIAPN+, negros, povos originários e pobres. Ou seja, grupos que estariam alijados dos símbolos nacionais.


Marcelo Resende (2024) mostrou como o campo progressista se posicionou em relação ao uso da amarelinha a partir da Copa do Mundo de 2018. Havia uma ideia contrária ao uso, representando o afastamento da esquerda e daqueles que não gostariam de ser identificados como bolsonaristas. Para o mundial daquele ano, passou a acontecer uma ressignificação, com o uso de camisas do Brasil alternativas, inclusive na cor vermelha (não oficial), ou até mesmo verde e amarelo com dizeres “Não sou bolsominion”, com o número 13 de Lula, do Partido dos Trabalhadores, e outras opções. Em 2022, novamente ano de Copa do Mundo e eleição – com a volta de Lula à disputa política, houve uma mudança mais significativa da esquerda sobre os símbolos nacionais. Em campanha para o pleito de outubro, Lula passou a se associar ao verde e amarelo brasileiro e a defender as cores do país, chegando a afirmar em evento na Uerj, em março de 2022, que “blusa e bandeira do Brasil não são desse fascista”4, em referência a Jair Bolsonaro.


Imagem: Folha de S.Paulo (02/12/2022)
Imagem: Folha de S.Paulo (02/12/2022)

Imagem: X
Imagem: X

O ano de 2022 produziu posicionamentos da imprensa, de empresas e de artistas pela retomada dos símbolos nacionais, relacionando-os à Copa do Mundo que seria disputada 15 dias depois do segundo turno das eleições. Ludmilla, Anitta e Djonga defenderam o uso da amarelinha para retirá-la da exclusividade da extrema-direita, enquanto marcas como Vivo, Nike e Adidas realizaram campanhas publicitárias com o enfoque no popular, na favela, nos povos originários, na família reunida novamente para assistir ao Brasil na Copa – depois de se separar por brigas políticas. Isto é, grupos afetados pelo discurso de ódio – nas redes, na imprensa ou por falta de políticas públicas – do bolsonarismo. Pelo lado da imprensa, houve uma discussão constante sobre a politização da amarelinha durante a Copa, especialmente na fase de grupos. Com as vitórias nos jogos iniciais, os jornais chegaram a cravar (jargão jornalístico que atesta) que a camisa verde e amarela havia sido retomada, o que se mostrou uma análise precipitada, pois ainda vemos uma disputa aberta pelos símbolos nacionais. Mas houve um fomento desse debate na imprensa que surgiu por causa do futebol e da seleção brasileira na Copa do Mundo.



Imagem: O Globo (25/11/2022)
Imagem: O Globo (25/11/2022)

Imagem: Luva de Pedreiro
Imagem: Luva de Pedreiro

Imagem: Ludmilla/X (11/09/2022)
Imagem: Ludmilla/X (11/09/2022)

Divas pop entram na retomada dos símbolos nacionais


Em 2024, novos posicionamentos de grupos minoritários, notadamente da população LGBTQIAPN+, deram novos capítulos para a disputa dos símbolos nacionais. Em maio, Madonna realizou o primeiro megashow gratuito na praia de Copacabana dentro do projeto da Prefeitura do Rio de Janeiro de ter um evento do tipo a cada ano. Por ser declaradamente feminista e defensora dos direitos LGBTQIAPN+, Madonna recebeu críticas conservadoras por causa de sua apresentação com forte teor sexual no palco para 1,6 milhão de pessoas. Em dado momento, a cantora contou com a presença da drag queen Pabllo Vittar e de jovens negros de favelas cariocas vestidos de verde e amarelo no show, associando as cores e os símbolos do país a grupos minoritários, que não estão representados pelo discurso político do bolsonarismo. O feito fez com que a Parada SP, que organiza a maior parada LGBTQIAPN+ da América Latina, convocasse o público a ir de camisa do Brasil para o evento a ser realizado naquele ano na Avenida Paulista, o que aconteceu. A deputada trans de esquerda Erika Hilton (PSOL), por exemplo, esteve na passeata e defendeu o uso dos símbolos nacionais pelo seu grupo político.



Ressignificação da amarelinha na Parada LGTBQIAPN+ de São Paulo, em 2024. Imagem: Marcelo Resende
Ressignificação da amarelinha na Parada LGTBQIAPN+ de São Paulo, em 2024. Imagem: Marcelo Resende
Pabllo Vittar e Madonna. Imagem: Manu Scarpa/Brazil News
Pabllo Vittar e Madonna. Imagem: Manu Scarpa/Brazil News

Em 2025, foi a vez de Lady Gaga promover o resgate dos símbolos nacionais em megashow para 2,1 milhões de pessoas em Copacabana. Assim como Madonna, Gaga também é militante feminista e defensora da população LGBTQIAPN+, que forma boa parte de suas bases de fãs. Em sua apresentação, também colocou a bandeira do Brasil no palco e dançarinos com a camisa amarelinha da seleção brasileira. No público, também havia fãs de verde e amarelo, ressignificados ou não. Um deles foi um fã que colocou o número 24 nas costas da camisa, número do animal veado no jogo do bicho do Rio de Janeiro, estigmatizado pelo discurso LGBTfóbico. Em artigo para a Folha de S.Paulo, Leonardo Lichote escreveu que houve a retomada da camisa pelos corpos desviantes de uma sociedade regrada pela masculinidade hegemônica, que celebra o bolsonarismo: “vestida com uma farda verde e amarela, ela (Lady Gaga) foi cercada por bailarinos com a camisa da seleção brasileira – reafirmando a reconquista definitiva do uniforme pelos transgressores, como Madonna havia feito um ano antes”5.


Fã de Lady Gaga usou camisa do Brasil com número 24. Imagem: Marcelo Resende
Fã de Lady Gaga usou camisa do Brasil com número 24. Imagem: Marcelo Resende

Lady Gaga com a amarelinha em show em Copacabana. Imagem: Globoplay
Lady Gaga com a amarelinha em show em Copacabana. Imagem: Globoplay

Apesar dos novos acontecimentos, ainda é cedo para afirmar que houve um resgate dos símbolos nacionais pela população brasileira, desassociando-os da extrema-direita. Em 2023, pouco mais de dois meses depois de Lula vencer as eleições, apoiadores de Jair Bolsonaro invadiram Brasília e depredaram a Praça dos Três Poderes vestidos com os símbolos nacionais. Em março de 2025, Jair Bolsonaro pediu anistia para os vândalos que destruíram Brasília dois anos antes, em ato também em Copacabana que contou com a presença do verde e amarelo. A disputa segue em andamento, e o ano de 2026 promete capítulos importantes com ano de eleição presidencial e Copa do Mundo, num cenário diferente do que ocorreu em 2022 e 2018, principalmente porque, até o momento, Jair Bolsonaro está inelegível, o que é um baque para o campo da extrema-direita.


Bolsonaro na Avenida Atlântica, em Copacabana, no Rio. Imagem: Alexandre Cassiano/O Globo
Bolsonaro na Avenida Atlântica, em Copacabana, no Rio. Imagem: Alexandre Cassiano/O Globo





5  Disponível em:

Acesso em 4 maio 2025.



Referências

GUEDES, Simoni Lahud; ALMEIDA, Edilson Márcio. O segundo sequestro do verde e amarelo: futebol, política e símbolos nacionais. Cuadernos de Aletheia, La Plata, n. 3, 2019.


RESENDE, Marcelo Alves de. A amarelinha é de quem? Narrativas midiáticas para o “dessequestro” da camisa da seleção brasileira de futebol. 2024. 171 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Faculdade de Comunicação Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/21920. Acesso em: 4 de mai. 2025.



Sobre o autor

Marcelo Alves de Resende é doutorando e mestre em Comunicação pelo PPGCOM da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde também se formou jornalista pela Faculdade de Comunicação Social (FCS). Possui mais de 10 anos de experiência em organizações e veículos como Alerj, Esporte Interativo e LANCE!. Autor do livro “7 a 1 nos jornais do Brasil”. E-mail: mar.marceloresende@gmail.com


Não é a primeira vez que o “sequestro” da camisa verde e amarela da seleção é tratado aqui no blog. Se você gostou deste texto, também irá gostar deste aqui: A amarelinha é de quem? O “dessequestro” da camisa da seleção


Como citar

RESENDE, Marcelo Alves de. Camisa vermelha da seleção brasileira e os novos capítulos da disputa pelos símbolos nacionais. Bate-pronto, INCTFUTEBOL, Florianópolis, V.2, n.16, 2025.


 
 
 

2 Comments

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Isadora
May 28
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Excelente!

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Guest
May 28
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muito bom!

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